O microcomputador Unitron Mac 512 de 1985

Em 23 de setembro de 1985, a Unitron Eletrônica apresentava publicamente, durante a V Feira Internacional da Informática, seu novo projeto Unitron Mac 512, primeiro clone de Macintosh da história.
Ao longo das décadas de 70 e 80, o Brasil vivia sob uma política de proteção ao mercado nacional de tecnologia conhecida como “Reserva de Mercado”, que proibia a importação de produtos de informática prontos, onde apenas empresas nacionais podiam produzir e comercializar microcomputadores no país.
Essa medida, que tinha como objetivo fomentar gênese de uma indústria local de tecnologia da informação, com empresas que desenvolviam projetos próprios ou adaptavam conceitos já existentes, acabaria também por criar um cenário de fabricantes especializados em produzir equipamentos “compatíveis”, muitos deles clones perfeitos de modelos de sucesso estrangeiros.
Dentre estas empresas estava a brasileira Unitron Eletrônica, fundada em 23 de abril de 1974, que se aventuraria na década de 80 no mercado de microcomputadores, trazendo ao público sua versão do Apple II, o Unitron ApII, lançada em 1982, que alcançaria relativo sucesso de mercado.
Eis então que a norte-americana Apple resolve, em janeiro de 1984, virar o mercado “de cabeça pra baixo”, lançando seu novo Apple Macintosh, um computador revolucionário, que trazia diversas inovações, especialmente na interface de usuário e forma de operação.

Estimulada pela novidade, a Unitron decide investir suas fichas na criação de um modelo nacional. Como primeira opção, buscaria parceria com a Apple, no sentido de licenciar o modelo para que pudesse ser fabricado aqui no país. Mas a exigência legal de que a empresa nacional detivesse o controle de 51% das ações faria esta possibilidade de acordo naufragar.
O único caminho então viável agora seria o de iniciar um projeto “próprio”, recriando o icônico computador da empresa da maçã mordida.
Só que havia um porém… diferentemente dos Apple II, o Macintosh utilizava microchips dedicados, fabricados especialmente por encomenda da Apple, o que significava que estes chips não estavam disponíveis para serem comprados na loja da esquina ou encomendados de um fabricante…
Não se dando por vencida, a Unitron decide então arregaçar as mangas e iniciar um projeto de engenharia reversa, buscando financiamento (em uma instituição estatal) e associando-se a universidades e fabricantes de componentes eletrônicos. Cada um dos chips customizados do Mac foi detalhada e profundamente analisado, a fim de que seu funcionamento pudesse ser totalmente mapeado, permitindo que a empresa pudesse criar, do zero, um novo microhip, que executasse as mesmas funções.

Nascia assim, o Unitron Mac 512, apresentado publicamente pela primeira vez no dia de hoje, durante a V Feira Internacional da Informática.
Do ponto de vista técnico, o protótipo apresentado do Unitron Mac 512 era visual e funcionalmente uma réplica quase fiel do Macintosh 512K, com um gabinete tipo “tudo-em-um” na cor bege muito parecido com o modelo original.
Contava com um processador de 32bits Motorola 68000 a 8 MHz de velocidade, memória RAM de 512 KB, memória ROM de 128KB (dobro do Mac original), unidade de disquete de 3½” com capacidade de 800 KB, monitor monocromático de 9” integrado com resolução de 512 × 342 pontos, além de portas externas para áudio, impressora, serial e unidade de disco externa.
Assim como no caso do Mac original, o Unitron Mac 512 não possuía um disco rígido interno, sendo o sistema operacional carregado diretamente do disquete.
Vale destacar aqui que a unidade de disquete de 3½”, usada no Macintosh, ainda não era fabricada aqui no país na época. Contudo, contrariando a imposição do governo para que usassem no projeto os volumosos drives de 5¼” disponíveis localmente (que também proibiria a importação do modelo menor), a Unitron ousa novamente e decide ela própria fabricar as unidades que pretendia utilizado no Unitron Mac 512. Vale lembrar aqui que a Unitron era uma empresa de apenas 100 funcionários!

Fato é que, contra tudo e contra todos, a Unitron tinha para a edição da Feira Internacional da Informática um Unitron Mac 512 pra mostrar ao público. Tudo bem… parece que mostraram de longe e que ninguém podia manusear. A versão que se conta é que, dos exemplares mostrados, um funcionando rodando programas e outro aberto mostrando as partes internas, o funcional era no fundo um Macintosh original e o “aberto” o protótipo do ousado projeto.
Ao longo do ano de 1986 os trabalhos de desenvolvimento continuariam, com o prosseguimento do processo de autorização junto à Secretaria Especial de Informática – SEI (órgão do governo responsável por autorizar a execução de projetos de computadores), avançando, aos trancos e barrancos… mas andando.
E na edição da feira de informática deste mesmo ano, a Unitron já tinha exemplares funcionais do Unitron Mac 512, para deleite dos usuários, que puderam se divertir manuseando a novidade.
Até que, sabe-se lá como, lá pelos idos de 1987, a norte-americana Apple conseguiria obter alguns exemplares dos protótipos Unitron Mac 512, devidamente “contrabandeados” para a sede da empresa nos EUA. Lá, concluiriam que os exemplares que tinham em mãos possuíam, em suas memórias ROM, cópias muito similares (se não exatas) das rotinas de software dos Macintoshes originais, o que embasaria todo o desenrolar da história que estaria por vir.

O fato destes exemplares serem protótipos e as ROM (copiadas ou não) estarem ali apenas para fins de testes de compatibilidade, foi deliberadamente desconsiderado, visto que este “detalhe” não ajudaria a empresa da maçã mordida a construir e defender sua tese de “pirataria”.
A questão é que a Apple não detinha nenhuma patente, em território nacional, relacionada ao Macintosh, de forma que, do ponto de vista legal, o projeto Unitron não possuía nenhuma restrição jurídica, fato ratificado em muitos dos relatórios e pareceres anexados ao processo que tramitava na SEI. O governo brasileiro não tinha, a partir deste ponto de vista, nenhum motivo para impedir o prosseguimento do projeto.
Vale lembrar que Microdigital, Prológica, Dismac, Kemitron e uma penca de outras empresas brasileiras, produzia computadores exatamente nas mesmas condições, com a Microdigital já tendo sido inclusive processada anteriormente pela inglesa Sinclair sob a alegação de usar em seus clones TK-82/TK-83 cópia do software existente na ROM do ZX-81. Pelo mesmo motivo de ausência de respaldo legal, a ação não teria sucesso.
Mas a Apple não aceitaria a derrota tão facilmente. Mobilizaria o governo norte-americano que, agora pelas vias diplomáticas, começaria a pressionar o governo brasileiro, ameaçando adotar uma agenda já conhecida e utilizada por eles em diversas outras oportunidades ao redor do mundo: retaliar com barreiras tarifárias e comerciais aos produtos brasileiros.

Estas sanções não se resumiriam ao governo brasileiro. O governo estadunidense também se mobilizaria para proibir dirigentes e outras pessoas ligadas à Unitron de viajar aos EUA, impedindo-os da obtenção de quaisquer vistos.
Qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência. 😉
E o governo brasileiro, então presidido por José Sarney, preocupado, começaria a ceder…
A partir daí, o processo na SEI começaria a andar a passos de tartaruga manca, muito possivelmente para que houvesse tempo de se criar um novo regramento jurídico que pudesse dar ao governo o respaldo desculpa para negar o projeto da Unitron, baseado em alguma “ilegalidade”.
E assim foi feito. Em 18 de dezembro de 1987, em tempo recorde para os padrões do legislativo brasileiro, era aprovada a Lei nº 7.646/1987 (conhecida como a “Lei de Software”), que dispunha sobre à proteção da propriedade intelectual sobre programas de computador e sua comercialização no aqui no Brasil.
O processo na SEI, que já estava praticamente aprovado, toma o caminho inverso, com “novos pareceres” agora referenciando os dispositivos da nova Lei, que não existia em 1985 quando da abertura do processo de autorização.

Depois de idas e vindas, a interferência político-diplomática acabaria por sepultar definitivamente, em 21 de março de 1988, o sonho da Unitron em produzir seu modelo compatível com o Apple Macintosh (o primeiro no mundo), com a SEI indeferindo e arquivando o projeto da empresa paulista.
Mas peraí.. a história não acaba ainda. Temos que tirar o chapéu pra estes caras. 😊
Nessa altura, passados mais de dois anos desde a apresentação do primeiro protótipo, a Unitron já tinha um projeto acabado, com um novo gabinete e circuitos eletrônicos completamente desenvolvidos e melhorados.
Já tendo estudado minuciosamente a nova legislação aprovada no final do ano anterior e acreditando que seu projeto estaria totalmente adequado à nova conjuntura, a Unitron decide dar entrada na SEI, em 29 de março de 1988, praticamente uma semana depois da negativa do pedido original, em um novo projeto, o Unitron 1024 (agora com 1MB de memória RAM).
Desta vez a SEI seria extremamente célere na análise, em comparação ao pedido anterior, indeferindo sumariamente o pedido da Unitron em 1º de agosto de 1988, sob a alegação de que o projeto tinha falhas técnicas.
Inconformados com a decisão, a Unitron recorre (em 10 de agosto de 1988) à instância superior, o Conselho Nacional de Informática e Automação (CONIN), órgão consultivo vinculado à Presidência da República para auxiliá-lo na formulação e supervisão da Política Nacional de Informática, do qual a SEI era o braço executivo.

A decisão do CONIN, formado por um mix de representantes do governo e da sociedade civil sairia no final do ano, em 19 de dezembro de 1988, com os 8 representantes do governo votando contra o projeto e 7 dos representantes da sociedade civil presentes votando a favor da empresa brasileira, entre eles o a Associação Brasileira da Industria de Computadores e Periféricos (ABICOMP), Associação Brasileira das Empresas de Serviço de Informática (ASSESPRO), Nacional-Sociedade dos Usuários de Computadores e Equipamentos Subsidiários (SUCESU), Associação dos Profissionais de Processamento de Dados (APPD), Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), Sociedade Para o Progresso da Ciências (SBPC), Sociedade Brasileira de Computação (SBC) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Outros que poderiam ter votado a favor da Unitron não compareceram à reunião.
Diante desta derrota, a Unitron, praticamente falida, após ter investido mais de três anos de trabalho e de recursos próprios, e com uma dívida de US$ 10 milhões contraída junto ao órgão estatal (FINEP) que financiaria o projeto (veja a ironia), não tem outra opção senão fechar as portas, encerrando um dos mais notáveis capítulos da história tecnológica brasileira e talvez do mundo.
Assim como a Compaq havia feito em 1982, criando, por engenharia reversa, todo um novo mercado ao produzir o primeiro clone bem-sucedido do IBM PC, talvez este projeto da Unitron, não tivesse sido sufocado, viesse a ser um equivalente no universo Macintosh. Infelizmente, nunca chegaríamos a saber que tipo de revolução ele poderia ter gerado.

Talvez muitos não saibam, mas depois da negativa do CONIN, enquanto avaliava se entraria na justiça ou não contra a decisão, a Unitron transferiu suas operações para o estado do Espírito Santo, direcionando seus esforços para a fabricação de monitores, fontes de alimentação e unidades de disco rígido.
E você, o que acha do projeto Unitron Mac 512? Foi engenharia reversa ou pirataria?
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Vídeo(s):
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Mais em:
- A fundação da Apple Computer Company em 1976
- O microcomputador Apple II de 1977
- O microcomputador Apple Macintosh de 1984
- O microcomputador Apple Macintosh 512K de 1984
- O microprocessador Motorola 68000 de 1979
- Lei nº 7.646/1987 – Lei de Software
- Regimento Interno do Conselho Nacional de Informática e Automação (CONIN)
- O microcomputador Compaq Portable de 1982
*As imagens utilizadas nesta postagem são meramente ilustrativas e foram obtidas da internet.
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