A válvula eletrônica de 1904
Em 16 de novembro de 1904, o engenheiro eletricista e físico britânico John Ambrose Fleming dava entrada com o pedido de patente do primeiro modelo de válvula eletrônica da história.
A história começa em 1901, quando o engenheiro eletricista e físico britânico John Ambrose Fleming, professor da University College London, então trabalhando para Guglielmo Marconi (inventor do telégrafo sem fio), foi o responsável por projetar o equipamento utilizado na primeira transmissão telegráfica via rádio através do Oceano Atlântico.
O experimento notável, com um resultado apenas “satisfatório” para os críticos, dado que o sinal recebido era extremamente fraco e de difícil interpretação, levaria Fleming a concluir que necessitaria criar um dispositivo de recepção mais sensível, e que fosse capaz de distinguir mais facilmente o sinal transmitido do ruído atmosférico.
Após longa pesquisa nos anos que se seguiram, tendo por base o fenômeno do “Efeito Edison” (descoberto por Thomas Edison), nascia assim, em 1904, o protótipo do primeiro tipo de válvula eletrônica (também chamada de válvula termiônica ou tubo de vácuo): o diodo termiônico ou diodo de Fleming.
Esta válvula consistia em um tubo de vidro com vácuo interno, contendo um filamento aquecido (catodo) e uma placa metálica (anodo). Ao ser aquecido, o catodo emitia elétrons que eram atraídos pelo anodo, criando um fluxo de corrente elétrica em uma única direção. Esse efeito de retificação permitiu que sinais de rádio fossem detectados com muito mais eficiência do que os métodos anteriores, viabilizando os primeiros sistemas radiotelegráficos intercontinentais comerciais.
A fim de garantir os direitos sobre sua invenção revolucionária, Fleming daria entrada no dia 16 de novembro de 1904 com seu pedido de patente, concedida um ano depois, em 7 de novembro de 1905.
A invenção de Fleming foi revolucionária pois permitiu detectar e converter sinais de rádio de alta frequência em uma corrente elétrica mais facilmente utilizável, passo que prepararia o terreno para a próxima etapa: amplificação de sinais e a comunicação de longa distância, o novo salto para as telecomunicações.
Entra em cena Lee De Forest
Após ler o artigo publicado por Fleming em 1905, em que apresentava sua invenção, o físico e inventor norte-americano Lee De Forest, teria a ideia para uma nova versão da válvula, agora com três elementos.
Conhecida como válvula triodo, também chamada de Audion por seu inventor, a nova válvula criada em 1906 era uma evolução significativa do dispositivo anterior de Fleming.
Ao adicionar um terceiro eletrodo entre o catodo e o anodo, conhecido como “grade de controle”, o Audion permitia agora controlar a corrente elétrica dentro do tubo, onde uma pequena mudança na tensão na grade produzia uma grande mudança na corrente entre o anodo e o catodo. Um passo crucial para a amplificação de sinais.
O triodo de De Forest possibilitaria assim o desenvolvimento de circuitos de amplificação, tornando-se base para a evolução nos próximos 50 anos das transmissões de rádio, telefonia, televisão e posteriormente os primeiros computadores eletrônicos.
A capacidade de “amplificação” do Audion viabilizaria também todo o sistema de telefonia de longa distância da gigante estadunidense das telecomunicações American Telephone and Telegraph (AT&T), que realizaria em 1914 a primeira chamada telefônica transcontinental da história.
E evolução e os primeiros computadores
Durante as décadas seguintes, a pesquisa e o desenvolvimento em torno das válvulas eletrônicas prosperaram, evoluindo rapidamente. Empresas como RCA e Western Electric trabalharam para aperfeiçoar e miniaturizar esses dispositivos, resultando em válvulas mais confiáveis e eficientes.
Os triodos foram também melhorados com a adição de novos eletrodos, resultando nas versões “tetrodo” e “pentodo”, que ofereciam maior controle e capacidade de amplificação de sinais.
Na década de 1920, essas válvulas já eram amplamente utilizadas em sistemas de rádio, transmissão de televisão e telefonia, além de serem componentes essenciais em circuitos eletrônicos de várias naturezas. E com o avanço das comunicações e das tecnologias de transmissão, o uso das válvulas eletrônicas se expandiria ainda mais.
A Segunda Grande Guerra Mundial na década de 40 marcaria um período de intensa inovação tecnológica, com as válvulas eletrônicas desempenhando um papel vital em equipamentos de radar, navegação, rádio e comunicações.
Além disso, foram também fundamentais para os primeiros computadores eletrônicos nos anos 40, como o computador Atanasoff-Berry, o Colossus Mark I, o ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Computer) com suas 18mil válvulas, o EDVAC (Electronic Discrete Variable Automatic Computer) e o SSEM Manchester Baby.
Finda a guerra, a tecnologia de válvulas seria adaptada para uso em computadores de uso civil, levando ao desenvolvimento de inúmeros computadores para uso em empresas e instituições de ensino e pesquisa, elevando a capacidade de processamento dos sistemas à um patamar nunca antes alcançado.
Na década de 1950, a válvula eletrônica atingiria seu apogeu. Contudo, apesar de suas grandes contribuições, as válvulas tinham suas desvantagens: eram grandes, consumiam muita energia e geravam calor excessivo. Essas limitações incentivariam a busca por tecnologias mais eficientes.
Transistor
Desde o final da década de 1940, os cientistas vinham experimentando o uso de materiais semicondutores na construção de dispositivos eletrônicos que pudessem realizar as mesmas funções das válvulas.
Este trabalho levaria à invenção do transistor em 1947, concebido pelos pesquisadores do Bell Labs John Bardeen, Walter Brattain e William Shockley, dispositivo que mudaria o panorama da eletrônica. Os transistores eram dispositivos menores, mais rápidos, mais confiáveis, de menor consumo de energia e mais eficientes que as válvulas, substituindo-as em muitas aplicações.
A introdução dos transistores marcaria o início de uma nova era na eletrônica, conhecida como a era da eletrônica de estado sólido.
Nos anos 1970, o uso de válvulas eletrônicas começou a declinar mais significativamente, na medida em que os transistores, e posteriormente os circuitos integrados, passaram a dominar a indústria eletrônica, com a maioria dos dispositivos eletrônicos modernos usando semicondutores em sua construção.
No entanto, as válvulas eletrônicas não desapareceriam tão facilmente, com fabricação nunca tendo cessado completamente… 😊
Curiosamente, nas últimas décadas, haveria um ressurgimento no interesse pelas válvulas eletrônicas em aplicações específicas, com muitos fabricantes mantendo diversos modelos em produção.
Este ressurgimento se daria especialmente no mercado de áudio de alta fidelidade e em amplificadores para instrumentos musicais. Muitos músicos e audiófilos comentam que preferem o som mais “orgânico”, “quente” e “natural” das válvulas (em comparação com o produzido pelos transistores), resultando em uma demanda contínua por amplificadores e equipamentos “valvulados”.
As válvulas eletrônicas são também ainda usadas em áreas como radiofrequência de alta potência, transmissão de sinais e equipamentos de áudio de alta qualidade, devido à sua capacidade de lidar com grandes correntes e tensões. A fabricação dessas válvulas envolve técnicas altamente especializadas e um mercado de nicho, continuando a ser uma parte vital e ativa do campo da eletrônica.
A briga pela propriedade intelectual
Acreditando ter sido “plagiado”, Fleming processaria De Forest por infringir suas patentes de válvulas, resultando em décadas de litígios caros e perturbadores, que não foram resolvidos até 1943, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiria que a patente de Fleming (um britânico) era inválida.
Uma decisão questionada por muitos especialistas, mas que colocaria o estado norte-americano em maus lençóis caso a decisão tivesse sido a favor de Fleming, visto que a gigante monopolista estadunidense das telecomunicações American Telephone and Telegraph, utilizava (há décadas) amplamente em seus sistemas a invenção de De Forest.
Ao longo dos anos, a evolução das válvulas eletrônicas levaria ao desenvolvimento de diversos outros tipos de válvulas especializadas, como válvulas magnetron, dos fornos de microondas, e válvulas klystron, utilizadas em sistemas de radar. Essas válvulas desempenham um papel crucial em diversas aplicações industriais e científicas.
Num destes momentos em que a humanidade dá um enorme salto em sua evolução tecnológica, a invenção da primeira válvula eletrônica marcaria definitivamente a história da ciência, dando origem a uma revolução na eletrônica que pavimentaria o caminho para avanços tecnológicos futuros, como o rádio, a televisão e o desenvolvimento dos primeiros computadores eletrônicos, moldando o mundo moderno.
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Mais em:
- O primeiro serviço telegráfico transatlântico de notícias de 1903
- A fundação da ATT (AT&T) em 1885
- A primeira chamada telefônica transcontinental da história de 1914
- O computador Atanasoff-Berry de 1940
- O computador Colossus Mark I de 1943
- O computador ENIAC de 1946
- O computador EDVAC de 1945
- O computador SSEM Manchester Baby de 1948
- O primeiro transistor de ponto de contato de 1947
- O transistor bipolar de junção de 1951
- O transistor de silício de 1954
- O primeiro Circuito Integrado da história de 1958
- A apresentação pública do Circuito Integrado em 1959
*As imagens utilizadas nesta postagem são meramente ilustrativas e foram obtidas da internet.
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